Desinformação, Wikipédia, Fascismo: como a Wikipédia espelha o fascismo e desvaloriza seus editores

 



Após uma década atuando como editor voluntário na Wikipédia, com todo o estresse que essa função carrega, tive um dos dias mais desafiadores da minha trajetória. Depois de anos contribuindo com diversas páginas, vi várias edições revertidas em um único dia. Entre elas, um artigo sobre o bolsonarismo no qual estava trabalhando há dias, e o verbete de Antônio Pereira, a região onde moro, que desenvolvia há 10 anos praticamente sem interferência. O artigo de Antônio Pereira, que nunca havia chamado atenção, foi subitamente marcado, reescrito por completo e carregado de desinformação e fontes equivocadas. O choque foi ainda maior ao ver o trabalho minucioso de anos, que visava retratar com precisão a realidade local, ser desfeito de forma tão brusca. Não se tratava apenas de perder horas de trabalho, mas de ver o esforço em prol de uma representação fidedigna da comunidade local ser jogado fora e substituído por informações incorretas. Isso exemplifica o quão vulnerável o trabalho na Wikipédia pode ser, especialmente quando artigos sobre temas locais ou menos conhecidos caem nas mãos de editores que podem não ter o mesmo cuidado ou comprometimento com a verdade.

Tudo começou quando criei um artigo sobre o candidato a prefeito de Ouro Preto, Du Evangelista. Era uma tentativa de garantir que todos os candidatos tivessem uma representação justa e completa na Wikipédia. Após isso, me dediquei a revisar e atualizar os verbetes dos outros candidatos, incluindo o atual prefeito, Ângelo Oswaldo. No entanto, o artigo de Du Evangelista foi eliminado por consenso, algo que aceitei como parte do processo colaborativo da plataforma.

Mas o que aconteceu em seguida foi perturbador. O editor que marcou a eliminação de Du Evangelista, alguém que eu nunca havia visto antes, começou a aparecer em todos os meus artigos, editando-os como se fosse um supervisor invisível. Ainda assim, segui em frente, focado no meu trabalho. No entanto, as coisas tomaram um rumo mais sério quando um segundo editor, agora "responsável" pelo artigo de Ângelo Oswaldo, me acusou de vandalismo. O pior de tudo foi que a acusação foi aceita por um administrador, sem qualquer discussão ou chance de defesa. Fui bloqueado duas vezes, o que foi frustrante e desgastante. Eles se juntarão em seguida: um marcou Antônio Pereira para ser melhorado, outro fez "as melhorias".  

Depois de muito estresse, eu "perdi a cabeça". Isso foi usado contra mim, sem qualquer consideração do que me levou ao estresse emocional de perder a cabeça. Ou seja, ao perder a cabeça, perdi também a dignidade como editor. Isso seria similar a acusar uma mulher estuprada de perder a razão de defesa por ter perdido a cabeça ao ser estuprada. A vítima vira o abusador, uma vez que perdeu a cabeça, não teve nervos de aço para aguentar os abusos contínuos e repetitivo. 

"They only hit until you cry" Luka, criança abusada na música ganhadora prêmio 
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Esse mesmo editor não parou por aí. Ele reverteu o artigo do candidato Duarte Júnior e marcou, no mínimo, quatro outros verbetes que eu havia criado ou editado, como se estivesse perseguindo sistematicamente meu trabalho. O impacto disso foi profundo, não só pela perda de tempo e esforço, mas pela sensação de impotência diante de um sistema que deveria ser colaborativo e justo.  O mais interessante é que a Wikipédia parece ter criando uma consciência coletiva de perseguição. O jornal Brasil 247 foi bloqueado totalmente. Ao discutir no Telegram, o admin mostrou orgulho disso, e falou que outros jornais também foram bloqueados, como Gazeta do Povo. Segundo ele, o Brasil 247 persegue a Wikipédia. Isso me pareceu um tom de vingança, a Wikipédia não somente perseguindo seus editores que não pensam como  a manada, como também perseguindo críticos, como o jornal Brasil 247. 

Aqui está uma reflexão importante. A imagem que capturei quando o artigo de Du Evangelista ainda estava no ar demonstra claramente o interesse que ele despertava nos eleitores. Não se tratava apenas de um verbete qualquer, mas de uma fonte de informação ativa, que refletia o envolvimento do público com a política local. Além disso, pesquisas recentes revelam uma correlação positiva entre o interesse por verbetes de candidatos e a intenção de voto, o que fortalece a ideia de que a Wikipédia desempenha um papel crucial no processo democrático. 

A plataforma, ao fornecer (ou omitir) informações sobre candidatos, se posiciona como um meio que pode influenciar diretamente a percepção do eleitorado. Isso é um indicativo de que a Wikipédia não é apenas uma enciclopédia online, mas uma ferramenta poderosa que pode tanto ser usada para informar corretamente quanto, infelizmente, para desinformar, dependendo de como o conteúdo é manipulado ou tratado. Essa dinâmica reforça a necessidade de transparência e cuidado redobrado na gestão dos artigos, especialmente em contextos eleitorais, onde a credibilidade e o equilíbrio são fundamentais.


Durante a discussão que resultou na eliminação do artigo do Du Evangelista, um dos pontos levantados foi que "a Wikipédia não é uma democracia." Tecnicamente, isso pode até ser verdade, mas a plataforma adota práticas que se assemelham muito a uma democracia, como colocar muitos assuntos em votação, inclusive decisões sobre representantes e conteúdos. No entanto, é importante lembrar que, mesmo que a Wikipédia não seja uma democracia em si, ela está inserida dentro de uma.

Essa interação entre a Wikipédia e o ambiente democrático em que ela opera é fundamental. Recentemente, vimos os embates em torno da plataforma X (antigo Twitter), onde a desinformação frequentemente prevalece sobre a informação. Isso levanta uma questão crucial: a Wikipédia corre o risco de se tornar o novo X? Se não houver um controle cuidadoso sobre o que é publicado e como as decisões são tomadas, a plataforma pode, sim, ser um canal para a desinformação. Em vez de servir como uma fonte confiável de conhecimento, ela pode acabar sendo manipulada para distorcer fatos, especialmente em momentos delicados, como durante eleições. Isso coloca em xeque o papel da Wikipédia na sociedade atual e reforça a importância de garantir que suas diretrizes sejam justas e que o foco seja sempre na verdade, não nos interesses individuais ou em narrativas enviesadas.

Fui convidado por um editor da Wikipédia para participar de um grupo no Telegram, depois que assistiram a um vídeo que postei no YouTube. Esse convite me deixou bastante alegre, pois foi um reconhecimento do meu trabalho. Além disso, dentro do grupo, alguns membros compartilharam opiniões que estavam em sintonia com as minhas, o que trouxe um sentimento de apoio e validação, especialmente depois das dificuldades que enfrentei na plataforma. É interessante ver como, apesar dos desafios, ainda há espaços de diálogo e troca dentro da comunidade.



Contudo, após o lançamento do meu segundo vídeo, comecei a discutir com uma pessoa no grupo de Telegram e ficou claro que certas práticas, como a forma de manipulação e exclusão de verbetes, são aplaudidas por alguns membros. O que mais me chamou a atenção foi que essa pessoa em questão era um administrador no grupo, o que sugere que essas atitudes são mais comuns entre aqueles que ocupam posições de poder. Essa percepção trouxe um certo desânimo, pois parece que existe uma cultura que legitima tais comportamentos, especialmente entre quem detém mais controle dentro da comunidade.

Com base nas conversas e no interesse que o meu vídeo despertou, ficou evidente que muitas pessoas estão insatisfeitas com a Wikipédia. No entanto, aqueles que detêm o poder mantêm as demais sob controle, tornando-as apenas peças de um sistema maior. Isso revela uma distinção clara entre ter poder e viver sob a ilusão de poder. Quando alguém se alinha com pessoas em posições de autoridade e reforça as regras estabelecidas por elas, não está exercendo poder real, mas sim se submetendo a uma ilusão. O verdadeiro poder surge quando alguém desafia esse sistema, agindo de maneira contrária, mas ainda assim, consegue permanecer nele.

Paulo Freire capturou essa dinâmica de forma brilhante quando afirmou: "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor". Isso ressoa profundamente no contexto da Wikipédia, onde muitos são levados a acreditar que estão no controle, mas, na realidade, apenas reproduzem as estruturas de poder existentes.

Eu iria além. Uma das informações removidas em um dos meus verbetes, em favor de outra, envolvia um raciocínio lógico que fiz. No caso do artigo de Antônio Pereira, onde não existia uma informação oficial confiável sobre o número de moradores, identifiquei uma desinformação. Para corrigir, utilizei lógica para estimar esse dado, mas isso foi removido sob o argumento de que a Wikipédia "não é um repositório científico". No entanto, vale lembrar que a pesquisa, em essência, utiliza raciocínio lógico, e a lógica deveria ser parte integral da escrita, assim como a própria escrita em si. Usar lógica não pode ser rotulado simplesmente como "pesquisa científica".

Esse incidente não só evidencia o despreparo dos editores da Wikipédia, como também revela uma falha mais ampla no nosso sistema educacional. O pensamento crítico, essencial para a construção do conhecimento, é muitas vezes deixado de lado. A situação me lembra das problemáticas observadas na plataforma X, onde o controle sobre informações sensíveis pode ser facilmente mal utilizado. A Wikipédia, a esse respeito, se torna semelhante: um "botão vermelho de uma arma nuclear nas mãos de crianças". O poder de moldar a realidade através da informação e da desinformação, se mal administrado, pode ter consequências devastadoras.



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